Zumbi presente no Parque Memorial Quilombo dos Palmares em Alagoas

Ambiente sagrado para oficios religiosos

         Uma visita ao Parque Memorial Quilombo dos Palmares, no município de União de Palmares/Alagoas, cerca de 80 quilômetros de Maceió, é a maneira mais adequada pra se conhecer, aprender e vivenciar a história da luta por liberdade dos povos escravizados que – trazidos da África e milhares nascidos no Brasil colonial – formaram uma célula de luta e resistência contra a escravidão, entre os anos de 1597 a 1694, quase 100 anos. No topo da Serra da Barriga, o parque é, ao mesmo tempo, ensinamento, emoção a cada novo espaço e uma paisagem que se descortina até muito distante, deixando óbvio os motivos pelos quais aquele ponto representou a sede administrativa do Quilombo dos Palmares, o mais significativo da América Latina.

         Implantado em 2007 no platô da Serra da Barriga, o Parque Memorial Quilombo dos Palmares está num local que foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1985.  O Parque recriou com grande competência o ambiente da República dos Palmares – o maior, mais duradouro e mais organizado quilombo já implantado nas Américas – que administrava cerca de 30 mil pessoas, indo dali da Serra da Barriga à caatinga e outras regiões pernambucana e da Bahia (atuais), pois toda a região estava inserida na Capitania de Pernambuco, cujo donatário foi Duarte Coelho Pereira, que recebeu a terra do rei de Portugal, Dom João III em 1534. Esse donatário foi o fundador de Olinda e iniciou a cultura da cana-de-açúcar, algodão e fumo, usando sempre o trabalho de negros que foram arrancados das suas terras, na África, e escravizados no Brasil.

         O local foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1985 e em 2017 pelo Mercosul. A Serra da Barriga já era um espaço de visitação antes mesmo da implantação do Parque, porém, após a criação do mesmo, se transformou em mais um atrativo turístico religioso, cultural e histórico de Alagoas, em plena Região da Mata. Esse parque, bem no topo da Serra da Barriga, foi dotado com equipamentos expográficos que foram projetados com liberdade poética contemporânea, a partir de relatos históricos ou referenciados por arquiteturas africanas. As edificações com paredes de taipa, cobertas de palha e o piso feito de terra batida, além da implantação de ocas indígenas, reforçam os referenciais multiculturais de Palmares, como a ancestralidade de ocupação territorial também pelos povos indígenas.

         Além disso, há espaços para apresentações culturais e religiosas, que podem ser rodas de capoeira ou samba, trabalho de Orixás. Os mirantes que representavam a sobrevivência contra ataques, na atualidade servem para a contemplação da belíssima vista. Numa das casas – espaço chamado de Muxima de Palmares, que significa Coração, Centro de Palmares – figuram nomes dos líderes ancestrais e fotos de vários personagens nascidos no século XX (homens e mulheres) importantes no movimento de libertação e restauração da cultura negra. (vide matéria No Muxima ou Coração do Quilombo dos Palmares, em nosso site).

         Nesta espécie de maquete viva, que é o Memorial Quilombo de Palmares, em tamanho natural, foram reconstituídas algumas das mais significativas edificações do Quilombo dos Palmares de 1590. Com paredes de pau-a-pique, cobertura vegetal e inscrições em banto e yorubá, avista-se o Onjó de farinha (Casa de farinha), Onjó Cruzambê (Casa do Campo Santo), Oxile das ervas (Terreiro das ervas), Ocas indígenas e Muxima de Palmares (Coração de Palmares). Numa das ocas centrais, uma escadaria camuflada leva ao topo, um dos pontos de onde sentinelas faziam seu trabalho, observando movimentos de inimigos ao longe.

         Embaixo de grandes e frondosas árvores são realizados trabalhos religiosos com as entidades presentes. O local, informou Helsias Pereira, uma das personalidades do Muxima e guia turístico com atuação voltada ao Quilombo e redondezas, vive seu ápice em 20 de novembro, data da morte de Zumbi e feriado Nacional. “Recebemos milhares de visitantes do Brasil inteiro no mês de novembro, mas em especial no dia 20, quando são realizados eventos religiosos, culturais, gastronômicos e cívicos”, destacou a liderança.

         Saga dos Escravizados pelos seus direitos

         A criação do Quilombo dos Palmares, na atualidade um dos atrativos turísticos histórico/cultural da Zona da Mata Alagoana, ocorreu a partir da fuga de escravizados de propriedades na Capitania de Pernambuco (englobava parte de área da atual Bahia, e ia desde Pernambuco até o Ceará). Teriam sido liderados por uma escrava na Capitania de Pernambuco, mas uma princesa africana chamada Aqualtune, dotada de grande inteligência e mulher de luta.

Diz a história que fugida do cativeiro, de uma área no atual estado de Pernambuco, se escondeu e circulou pelas matas, reunindo outros escravizados sob sua liderança, quando avistou uma elevação, cuja imagem parecia uma mulher grávida deitada no alto de uma montanha. Era a Serra da Barriga. Escalou, com esse grupo, a montanha íngreme, um dos lados inexpugnável e decidiu que ali seria erguido o que ficou conhecido, até os dias atuais, como Quilombo dos Palmares. Dois líderes tiveram atuação por mais tempo Ganga Zumba (filho de Aqualtune) que num determinado ano fez um acordo com o governo de Pernambuco e morreu na sequência, e Zumbi (neto de Aqualtune e sobrinho de Ganga Zumba) que assumiu em 1678 e foi aquele que imprimiu métodos de resistência e lutas, vencendo batalhas quase perdidas. Mas, como a luta dos escravizados, mesmo nesse quilombo que abrangia também da Serra da Barriga até algumas áreas de Pernambuco, era contra o poder instituído – colonizadores portugueses e bandeirantes paulistas – Zumbi tombou. O menino nascido na Serra da Barriga no ano de 1655, capturado pelos portugueses aos cinco anos, que o deixaram aos cuidados da Igreja Católica, onde aprendeu a escrever e ler em Português e Latim, que fugiu de volta ao Quilombo mais combatido, onde ascendeu à liderança em 1678, perdeu a guerra para um bandeirante (sempre os bandeirantes!), em 20 de novembro de 1695.

         Só que, a exemplo de algumas lendas bem conhecidas em todo o mundo, morreu o homem e nasceu a lenda viva. Capturado e morto em 20 de novembro de 1695, vítima de traição, teve inclusive sua cabeça cortada e exposta em praça pública, nas grandes “freguesias” para impor medo. Mas já era tarde, nascia ali a lição de que a luta deveria prosseguir. Muitos outros quilombos foram criados em várias regiões do Brasil. Sua companheira de vida, Dandara, foi inscrita no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria em 2019.

         Desde 2023 o Dia Nacional da Consciência Negra, o 20 de novembro é feriado nacional. Na Serra da Barriga, os preparativos para receber os milhares de peregrinos, começaram a ser preparados em setembro. O Dia Nacional da Consciência Negra foi instituído pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, pela então presidente Dilma Rousseff. As teses do gaúcho Oliveira Silveira, professor de Português, poeta e jornalista, foram fundamentais para a criação da data, em homenagem a Zumbi e sua luta! Zumbi e sua luta estão vivas, 330 anos depois da sua morte física!

Como chegar ao Parque

         De carro locado, táxi, uber, ônibus de linha comum entre Maceió para União dos Palmares são alternativas para ir até o Parque Memorial Quilombo dos Palmares.  A Luck Receptivo Maceió, empresa Pernambucana com 65 anos de atividade na área do transporte de turismo em todo o Nordeste brasileiro, promove, uma vez por semana, excursão para o Parque Memorial Quilombo dos Palmares – Serra da Barriga. O ônibus pega os passageiros nos hotéis em Maceió e leva na excursão chamada de “Quilombo dos Palmares – Uma Viagem à Terra da Liberdade”. A empresa conta com guia especializado no tema, de forma que o visitante poderá vivenciar aquele espaço com informações precisas. Além do guia, os visitantes acompanham narrativas conduzidas por nativos da região.

As ocas e seus mistérios

         A viagem completa dessa excursão é de aproximadamente 9h, pois inclui o roteiro cultural, no Memorial e em alguma das comunidades quilombolas do entorno, com almoço no Restaurante Baobá Raízes e Tradições, onde é servido Buffet de pratos afro-indígenas preparados com temperos típicos, num ambiente temático e acolhedor que transforma cada refeição em uma celebração da cultura local. Importante que esse estabelecimento já está fazendo reservas aos interessados em fazer suas refeições no local no 20 de novembro e nos dias que antecedem a data, já que a romaria é muito grande. E dura vários dias. As especialidades desse restaurante são uma viagem ao ancestral, a novos sabores. Conforme a Luck Receptivo, esse passeio é ideal para: Viajantes que valorizam história, cultura e ancestralidade – dança de capoeira incluso/ Grupos escolares e acadêmicos/ Turistas em busca de experiências autênticas e transformadoras.

         Além do Parque Memorial Quilombo de Palmares, a cidade tem atrações voltadas ao tema da negritude. Uma das vilas, ao pé da Serra da Barriga, de Muquém, várias famílias produzem artesanato em barro, desde enfeites até panelas, vasos. O trabalho é tão grandioso que há envios para centros internacionais, em especial Europa.

Jurema J Silva

Jornalista profissional, trabalhou nos principais jornais de Porto Alegre e Rio Grande do Sul. Prestou assessoria às entidades ABAV, Sindetur, Sindicato de Hotéis no RS e à Confederação das Organizações de Turismo da América Latina (Cotal). Atualmente atua com assessoria de imprensa na Câmara Municipal de Porto Alegre.

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