Mangaratiba: portão da Costa Verde no Rio de Janeiro
Na Costa Verde do Rio de Janeiro – tendo como via principal de acesso a BR-101, aberta entre a montanha e o mar – está o município de Mangaratiba, cidade que foi um dos primeiros povoados na região, em torno de 1534. Diz a história que naquelas matas a beira mar – cerca de 120 quilômetros da área urbana do Rio de Janeiro – habitavam os índios Tamoios, donos também da Ilha Grande, uma tribo que não aceitava os recém-chegados, e por isso saqueavam as lavouras matavam à flechadas os ditos “desbravadores”. Em decorrência desses conflitos, foi necessário levar um grupo de índios tupininquins catequizados, de Porto Seguro (BA), junto com padres jesuítas, como forma de levantar o aldeamento. Isso ocorreu por volta de 1619. A primeira capela, já erguida com a ajuda dos “catequizados” ocorreu em 1700 e foi dedicada à Nossa Senhora da Guia. O prédio atual, de 1795, é revestido de azulejos portugueses em sua fachada frontal e torre sineira, estilo final de Barroco e início do Rococó. No seu altar Mor a imagem da Padroeira repousa entre frisos folheados a ouro. Numa capela a direita de quem entra na nave principal, o Sacrário, obra sacra e de arte, se destaca em meio a beleza, o que podemos classificar como magnífico. Um esplendor.
A igreja matriz é parte da Praça Roberto Simões, a principal da cidade, onde estão os casarões antigos, cada qual mais cheio de histórias dessa cidade que pertenceu ao município de Angra dos Reis (ali ao lado, seguindo pela BR-101, rumo a Paraty ou Santos (SP)). Cidade que se transformou em vila no ano de 1831 e desde então deu rumo próprio à sua história que está intimamente ligada ao turismo náutico, de aventura e ambiental. Isso sem falar na história, que dá sustentação junto com a natureza exuberante.
Grandes proprietários de terra desde São Paulo e Minas Gerais e de outras regiões, desciam a serra por trilhas. O resultado disso é que exatamente ali, em frente a uma das tantas lindas praias de Mangaratiba, surgiu a primeira Estrada Imperial do Brasil. No mar, muitas ilhas, entre essas a Grande, onde pousadas e restaurantes recebem visitantes. Os comerciantes, fazendeiros buscavam o porto de Mangaratiba para exportar matérias primas ou receber mercadorias. De acordo com a história, o movimento teve picos intensos, primeiro com produtos em geral das grandes fazendas do Vale do Paraíba, cujas terras se espraiavam até Paraty, exigindo a abertura dessa Estrada, inaugurada pelo Imperador D. Pedro II. Um passeio pelo traçado dessa estrada mostra os pontos de descanso, de paradas técnicas e até mesmo o local onde os escravos podiam beber água, ou se refrescar– claro, separado dos brancos. Hoje o local é mais um atrativo turístico.
Esse mesmo porto que exigiu até uma Estrada Imperial, entretanto, foi um dos principais recebedores de escravos trazidos do “além-mar”. Conforme consta no descritivo da história de Mangaratiba, “A exemplo do que sucedeu na quase totalidade dos municípios fluminenses, a escravatura exerceu um papel preponderante na formação econômica e social de Mangaratiba. Do esplendor daquela época restam poucas construções e algumas ruínas. Pelo seu porto transitavam mercadorias vindas de todas as regiões do Brasil e do mundo. Do interior de São Paulo e de Minas, chegaram os gêneros e artigos a serem exportados”.
O prédio que abriga a Fundação Mário Peixoto e Museu Municipal de Mangaratiba, datado de 1831 era propriedade de Luiz Fernandes Monteiro, o Barão do Sahy, que seria grande amigo de D.Pedro II, um dos mais ricos proprietários rurais de terras no alto da serra e na região, cuja produção realizada com trabalho escravo. A exemplo desse grande proprietário de terras, outras famílias de grandes posses aumentaram suas riquezas ali. Foi o caso dos Breves, um desses o maior dono de escravos na região. Conta a história que José de Souza Breves, tinha nada menos que seis mil escravos.
Muitos dos seus descendentes administraram Mangaratiba. As fotos estão na parede do Museu, como prova da sua importância social. Amigo de D. Pedro I, era pai do homem que ficou conhecido como o Rei do Café – Joaquim José de Souza Breves, fazendeiro e militar do Império, que acompanhou D. Pedro I no Grito do Ipiranga. Mais tarde receberia muitos títulos e honrarias de D. Pedro II. Essas histórias todas estão guardadas em muitas das salas do Solar do Barão do Sahy. Numa dessas, como a provar o que alguns poderiam chamar de “causos”, um armário mantém os muitos utensílios ou ferramentas de tortura ou “contenção” usados para manter a ordem na senzala, no roçado ou para demonstração de horrores, castigos e advertência para acabar com as fugas. O Museu de Mangaratiba escancara todo o passado.
Uma ala especial do Museu mantém tributo ao grande artista local, o mestre Messias Neiva. Desenhista, pintor e músico, Messias Neiva nasceu no Espírito Santo mas cresceu em Mangaratiba. Muito pobre, negro, sempre trabalhou pesado e quando tinha tempo desenhava. Autodidata, teve sua obra reconhecida e nos dias atuais ajuda crianças tão pobres como ele já foi, através de programas sociais. É um personagem único. E muito amado pelos que administram o local, pois todos falam nele como uma divindade.
Na XIV Semana Nacional dos Museus, em maio deste ano de 2016, a equipe técnica do Museu de Mangaratiba destacou o trabalho, ao artista que deu o nome da Fundação, o cineasta Mario Peixoto. Uma mostra especial, intitulada “No Limite”, sobre a atuação deste filho daquela terra, na qual foi enfatizada sua contribuição para a transição do cinema mudo para o falado. Distribuído pelas peças do velho Solar, pode-se ver toda a história de Mangaratiba, pois ali estão peças do século XVII, atas da Câmara Municipal, registros fotográficos do século XIX, galeria dos ex-prefeitos, móveis, moedas do século XIV, e uma exposição permanente de quadros. Um desses prefeitos foi o mesmo que reformou o centro do Rio de Janeiro, isso no começo do século passado, o engenheiro Pereira Passos.
Mas é impossível ficar só no Museu numa cidade banhada pelo Atlântico – este com muitas ilhas paradisíacas e portanto barcos, veleiros e tantos outros cortando ondas. A cidade, distante 120 quilômetros do Rio de Janeiro, pela BR-101, aglomera um número considerável de resorts em suas praias belíssimas. Ali estão Club Med, Portobello Resort, Porto Real Resort e Mont Blanc Porto Marina Resort. As praias são muitas: entrando na cidade tem a do Saco, pelo fato de ser a foz do rio do mesmo nome. Tem a de Mangaratiba, bem no centro onde fica a Praça Central, o ancoradouro principal e saem barcos para todos os passeios e para as ilhas, além de contar com a área de comércio e rede de restaurantes. Entre as muitas lindas praias do chamado portal da Costa Verde, estão Ibicuí, Muriqui, Brava, Junqueira, Ribeira, Grande Saí ou Saizinha, Conceição do Jacarei e muitas outras, algumas que levam a piscinas naturais em meio ao mar. No distrito de Itacuruçá o turismo e esportes náuticos são a atração.
Subindo para a Mata Atlântica, o visitante se depara com as ruínas de um prédio que teria sido um teatro, que ficava ao pé da Estrada Imperial. Seguindo, vem as antigas pontes da mesma estrada e a própria, com pontos exclusivos como um Mirante Imperial, o bebedouro de água dos escravos e outros sítios que foram preservados nessa estrada estreita, majestosa e perigosa ao mesmo tempo. Um passeio a baixa velocidade pela RJ -149 não pode ficar fora de um roteiro para quem quer conhecer a região.
Nessa região muitas trilhas , cachoeiras e outros atrativos turísticos complementam o passeio. Uma das atrações é a antiga cidade de São João Marcos, construída em 1739, quase na divisa com São Paulo, cidade fundada pelos principais produtores de café do chamado Médio Paraíba, foi inundada com construção da represa Ribeirão das Lages, visando a produção de energia em 1940, pela Light. Como a Igreja Matriz não foi dinamitada (diz que ninguém teve coragem, tal sua beleza), sua torre pode ser avistada. A empresa de energia criou o Parque Arqueológico São João Marcos, mas para fazer a visitação, na área onde era a cidade e foi inundada.É preciso conferir horários de visitação antes de subir ou descer a serra. O local é o que se chama de “história vida” de um período até curioso, visto que menos de 100 anos após sua destruição para produção de energia, menos de 70 quilômetros abaixo a Central Nuclear de Angra dos Reis (a Central fica bem na divisa com Mangaratiba, na praia de Itaorna) foi criada para a mesma finalidade. As usinas de Angra 1 e 2 estão em pleno funcionamento, produzindo, conforme informação oficial, 3% de toda a energia elétrica produzida no Brasil. Há uma central, na beira da BR-101, onde a pessoa pode visitar, indagar, assistir um filme sobre a Central.